Acho que não há dia mais propício para esta postagem. Por todo o
debate que foi e está sendo gerado a partir da divulgação da pesquisa do IPEA "Tolerância social à violência contra as
mulheres",
que foi buscar saber de 3.810 entrevistados suas percepções sobre o tema. O
resultado foi assustador e culminou em uma manifestação virtual muito
importante e da qual falarei já já. Alguns dados da pesquisa até foram mais
animadores, mas outros nos fazem refletir o quanto nós avançamos na luta pela
igualdade.
Este é dos mais chocantes:
65% dos entrevistados concordam, parcial ou totalmente, com a afirmação de que
"mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas".
Detalhe: 66% dos que foram ouvidos eram exatamente mulheres. Isso gerou
uma comoção e indignação muito grande, que resultou no evento: "Eu não mereço ser estuprada", no Facebook.
Faz dois dias que não consigo parar de ler manifestações de apoio e, especialmente, relatos de mulheres que, pela primeira vez na vida, resolveram quebrar o voto de silêncio e expor suas dolorosas histórias a milhares de desconhecidos. O mais impressionante é perceber que, a cada relato de estupro revelado, outras três, quatro pessoas comentam que também sofreram o mesmo. Os números de outras pesquisas já mostram que a situação é gravíssima, mas ler os relatos, ver o rosto dessas pessoas... não consegui digerir até agora. Talvez nunca consiga.
Por isso mesmo, por toda esta discussão que não pode cessar e calar, não vejo melhor momento para falar sobre a Casa de Lua, local que coincidentemente conheci na sexta-feira. É um projeto muito bacana, um coletivo formado por várias e diferentes mulheres, que promove em uma casa na Vila Anglo, Zona Oeste, eventos que propõe a reflexão sobre o papel da mulher na sociedade. Política, maternidade, trabalho, astrologia, beleza, tecnologia, manifestações artísticas, exposições e saraus, como o que fui na sexta, estão na agenda. As fotos abaixo são do "primeiro Sarau de Lua, uma festa de celebração a todas as manifestações artísticas, em que se pode recitar, ler, performar, dançar e cantar", como diz o próprio convite. Teve poesia (uma delas brilhantemente declamada pela minha amiga Maria Teresa), sanfona, canção popular, exposição de fotografia... Uma vibração indescritível e uma energia tão boa que será difícil não voltar várias outras vezes.
Mais da proposta e do trabalho destas mulheres incríveis aqui: Casa de Lua
Prefiro ignorar os comentários que fazem piada ou tentam
descaracterizar o movimento "Eu não mereço ser estuprada". Mas é
difícil não bater uma angústia de saber que os 65% não são ilusão. Estão ali,
em cada uma das frases bizarras escritas nas páginas ou proferidas nas rodas de
amigos/colegas. Mas conhecer coletivos como este me dão ânimo e me fazem
acreditar que ainda há esperança. Tem de haver.
PS: nunca passei por nenhuma situação de abuso (pelo menos não
alguma que minha memória infantil não tenho apagado-e sabemos como isso
acontece na primeira idade, e como nossa mente tem este poder de bloquear
certas informações, como forma de proteção). Mas sofri um sequestro-relâmpago
junto com outras duas amigas há 1 ano e meio, e tive que ouvir dos bandidos que
"com certeza nós não tínhamos namorado, porque se tivéssemos não
estaríamos andando pelas ruas da cidade sozinhas numa quinta-feira à
noite". Como se uma mulher, pra sair de casa a qualquer horário, para
qualquer lugar, precisasse estar acompanhada de um "macho" que a
proteja. Até quando?
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